Autobiografia de Nicolae Ceausescu é o tipo de filme que temos vindo a ver mais nos últimos tempos. Em primeiro lugar, porque o estimulante novo cinema romeno, com uma ou outra excepção (por onde anda Politist Adjectiv de Corneliu Porumboiu?) tem sido devidamente acompanhado em Portugal. Em segundo lugar, porque a democratização das imagens de arquivo leva a que diversos realizadores se debrucem sobre o passado (ou o presente) através de imagens anteriores. Aliás, há um paralelismo claro que se pode fazer com o cinema nacional: também o filme de Andrei Ujica, feito a partir de mais de mil horas de imagens de arquivo que percorrem os 24 anos de liderança do país por Ceausescu e a sua trupe, é uma fantasia romena, mostrando exemplarmente a narrativa que aquele regime quis construir sobre si mesmo, a de um país que escolheu um rumo progressista, científico e racional e que estava de bem com o caminho escolhido. Não era essa a realidade, evidentemente, mas Autobiografia de Nicolae Ceausescu é um filme sem contracampo, dispensando mesmo qualquer contextualização do que vai sendo visto. Se a duração do filme (quase três horas) o torna numa experiência difícil, não deixa de ser verdade que é essa duração que possibilita a existência de um fio condutor óbvio, nomeadamente no modo como aquele regime, a cada sequência, se torna mais vazio e mais decrépito. Em suma, um belíssimo documentário originário de um país que, como nenhum outro em tempos recentes, tem utilizado sabiamente o cinema como meio de tratamento do seu passado recente.
19 abril 2012
08 abril 2012
Le Conseguenze dell'Amore (Paolo Sorrentino, 2004)
Numa belíssima cena de 30 Rock, Tina Fey, num encontro
amoroso com Wayne Brady, dizia, com uma frontalidade cómica de tão
despropositada: “Há qualquer coisa em ti de que eu pura e simplesmente não
gosto”. É o que digo deste Le Conseguenze dell'Amore, primeiro filme do
italiano Paolo Sorrentino a estrear em Portugal, narrativa sobre o vazio
existencial de um financeiro preso pela Máfia numa cidade suiça onde deposita
os milhões lavados pela Cosa Nostra, vivendo um degredo onde todos os dias se
imitam, longos, despojados e empobrecedores, até conhecer uma jovem por quem se
enamora. Enquanto nos concentramos na maneira como o protagonista Tita di
Girolamo gere esta situação (recorrendo à companhia de um casal que que perdeu
o hotel ao jogo e a uma dose semanal de heroína, tudo corre razoavelmente bem. O
problema reside na maneira de filmar de Sorrentino, barroca, berrante, querendo
demonstrar a cada imagem o seu virtuosismo, tendência que se agudiza à medida que o filme avança. O que consegue é um filme que se
assemelha a um videoclip de duas horas, um pedaço sofisticado de filmagem onde
tanta pretensa modernidade, tanto ângulo de câmara esquizóide e tanto corte na
montagem são cansativos e vaidosos. Salva-se a cena final, onde à paralisia na
vida de di Girolamo se sucede outra, bem mais real e bem mais irrecuperável. Não
chega aos niveis de grotesco do posterior Il Divo (2008), mas também não é grande
espingarda.
05 abril 2012
A Espalhar
O texto anterior em que, algo ingenuamente, declaro vitória, foi uma ejaculação precoce de quem quer que a causa tenha sucesso. Se lamento por ele, não me sinto na obrigação de pedir desculpa. Peço apenas que, se estiverem de acordo connosco, façam o favor de partilhar esta imagem, no Facebook, em blogues ou onde quer que seja. Obrigado.
O Sentido do Fim (Julian Barnes, 2011)
As frases de Julian Barnes são impecáveis. Milimetricamente construídas, com tudo no local certo e sem grama de gordura. Mas um livro tem de ser mais do que a soma das suas frases. A ideia tem de ser suficientemente sólida e suficientemente interessante para sustentar a acumulação de palavras. E é aí que falha O Sentido do Fim, novo romance do autor britânico e vencedor do último Man Booker Prize. Se a obra começa bem, como um retrato da juventude intelectual e afectada que passa ao lado dos "swinging sixties", a segunda parte do livro, passada no presente e focada no protagonista já idoso e reformado no processo de perceber que tudo o que julga saber está errado, é muito menos interessante do que a primeira parte. Há, efectivamente, uma ideia central a percorrer as páginas do livro (a de que a história pessoal é tão difícil de apreender quanto a História mundial) mas todo o segundo momento do livro se torna redundante e algo enfadonha, sobretudo a partir do momento em que a precisão da escrita, por o leitor já estar habituado, já não impressiona. Não é, na generalidade, um mau livro, mas continuo a preferir, e muito, dentro dos escritores ingleses contemporâneos, a obra de Ian McEwan.
01 abril 2012
As 3 coisas de que não gosto em Terrence Mallick
Depois de uma revisão recente de The New World, sinto-me
mais clarividente na enumeração do que não gosto na obra recente de Terence
Mallick:
i)
Voz Off: separando som e imagem de modo a criar uma
totalidade fílmica, o uso de monólogo interior por Mallick não só é discutível
enquanto principal método de progressão narrativa, como é cansativo na sua
utilização permanente. Pior, o mais das vezes estas vozes exprimem-se num
cansativo tom poético, enjoativo e meloso, que dificulta em muito o
visionamento dos filmes.
ii) Paganismo: para Mallick, a Natureza é uma totalidade,
com as suas próprias regras e componentes, amiúde um mistério para os seres
humanos que a habitam. Até aí tudo bem, não fosse isso resultar numa imagética
repetitiva, as árvores em contra-picado, a luz que perpassa as florestas e as
aves exóticas, como que mostrando o milagre da criação terrena através da sua
estética cinematográfica. O que faz dos seus filmes deambulações constantes, o
que em The New World até faz sentido mas que, por exemplo em The Tree of Life,
resvala para a patetice cosmogénica dos dinossauros e do final feérico (e quão
melhor seria essa obra se se cingisse à história central da família de Brad
Pitt e Jessica Chastain). É todo um imaginário a derrapar em direcção ao New
Age e que, sinceramente, não me agrada.
iii)
Poesia: O meu principal problema com o cinema de
Mallick, bem vistas as coisas, não é tanto do cineasta quanto meu. Para o bem e
para o mal, no cinema como na literatura, sempre preferi a prosa à poesia. E o
cinema de Mallick, através dos dois aspectos anteriormente referidos, fica
sempre enredado numa nuvem poética, formal e narrativa, e que ainda mais está,
neste preciso momento, numa fase previsível. Quando se vê um filme de Mallick,
já se sabe que a câmara vai andar a esvoaçar por ali, que as personagens vão
intercalar a narração do filme num tom de voz vaixo e confessional em off e que
haverá meia-dúzia de planos a mostrar o lado misterioso da existência humana. Quando
penso em Mallick, e apesar de reconhecer a enorme beleza das imagens que cria,
penso sobretudo em Badlands (1973), seco, pequeno e direito ao assunto. Em
suma, dos filmes que vi de Mallick até hoje o único que é em prosa.
Subscrever:
Mensagens (Atom)