07 novembro 2009

Bellum sine bello

Dos filmes de John McTiernan, prefiro Predator (1987), Die Hard (1988, que filme do catano!) e, sobretudo, The Last Action Hero (1993), dos melhores exercícios de mise-en-abime da década de 1990. Mas nunca tinha prestado a devida atenção a este magnífico Hunt for Red October (1990), talvez porque tantas vezes passou na televisão que pensei haver sempre outra oportunidade de o ver. Houve e em boa hora, pois dos filmes feitos aquando do final da Guerra Fria, o de McTiernan não apenas é o que tem o substracto mais subtil como o que lhe adiciona um maior cuidado e interesse estéticos.

Comecemos pelo lado político. Ao contrário de outros filmes que têm na propaganda o seu fulcro (veja-se o horroroso The House of Russia de Fred Schepsi, 1991), o de McTiernan consegue desenhar a ideia da superioridade ocidental em apenas duas sequências, cada uma com mais tacto do que a outra: a conversa entre Sean Connery e Sam Neill nos aposentos do comandante, onde o sonho da liberdade é enumerado com tacto e descrição; e a conversa final entre Connery e Alec Baldwin, onde são frisadas as semelhanças mais do que as diferenças. E, parecendo que não, este ponto é importante. Porque é o que o localiza em pleno estertor final da referida guerra, quando já não era necessário o fulgor propagandístico mas antes a aproximação. De certo modo, apesar dos seus inequívocos bons e maus, ao longo deste filme quase conseguimos ver Reagan passear com Gorbatchev na Praça Vermelha. Num filme onde o espectro da guerra nuclear paira sempre, é obra.


John McTiernan, ao contrário de um James Cameron, que sabe escolher quando ser clássico (Titanic, etc) e quando ser moderno ou pós-moderno (o novo Avatar, espera-se), é uma perfeita mescla de ambas as hipóteses. Por um lado, no rigor dos planos, na linearidade no bullshit do filme, no seu classicismo apenas entrecortado pelos cibernéticos indicadores de hora e local, quase que é um filme que se poderia imaginar noutras eras. Tudo isto em claro ambiente pipoqueiro, de blockbuster típico dos pós-76, com um orçamento confortabilíssimo e com elenco cheio de nomes reconhecíveis (Connery, Baldwin, Neill, James Earl Jones, Scott Glenn ou Stellan Skarsgaard), onde é óbvio que o espectáculo é a principal motivação. Mas o espectáculo... pouco tem de explosivo. Com a excepção da fabulosa acoplagem do helicóptero ao submarino e apesar do tom grandioso que empresta à sua progressão e filmagem, ... Red October mais não é do que um jogo do gato e do rato estendido para duas horas e um quarto, onde o interesse reside mais na gestão dos encontros e desencontros, dificuldades técnicas e relação entre a ordem política e o desempenho militar que um filme de confrontação, na constante expectativa de um encontro que parece inevitável. Como resume brilhantemente a personagem de Sean Connery, é “uma guerra sem guerra” e o filme sabe mostrá-lo.

E quando o encontro chega, é magnífico. As melhores cenas do filme, aliás, dão-se na última meia-hora. Primeiro, quando os militares americanos e o analista da CIA entram no submarino russo. Apesar de absolutamente equivalente, esse encontro é dado como se fosse um encontro entre humanos e alienígenas, em posições inter-mutáveis. Há uma brilhante tensão, em constante crescimento nos seus passos titubeantes apesar do respeito pelo protocolo militar, gerida magníficamente por McTiernan, que contamina o momento. E, finalmente, o belíssimo combate entre o submarino russo extraviado e o “oficial”, que coloca uma hipótese estimulante: e se Hunt for Red October fosse, afinal, um swashbuckler entre submarinos? Fazia todo o sentido e só contibuía para o fascínio que exerce.


Como os outros filmes que McTiernan fez entre 1985 e 1995 e aos quais se pode juntar o muito razoável Basic (2003), Hunt for Red October só faz lamentar que a carreira de McTiernan tenha sofrido os empecilhos que sofreu por parte dos estúdios, com especial enfase para os problemas que resultaram nos cortes e no descrédito de The 13th Warrior (1999) e Rollerball (2002) – falamos de um cineasta com apenas 11 filmes em 22 anos e que não filma desde 2003. Afinal de contas, era disto que se devia falar quando se fala de thriller político, filme de acção ou blockbuster. A ser visto pelos produtores da saga Bourne.

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