Antes do som e da fúria que Capitalism: A Love Story causará, importa caracterizar desde logo o método Michael Moore. A estrutura documental de filmes como Bowling for Columbine (2002) é directamente herdada da televisão, combinando entrevistas, visitas a locais e pessoas, entrevistas e acompanhamento situacional. A estas componentes juntam-se os dois que mais diferem da maior parte dos documentários: a componente humorística, que impede que Moore alguma vez seja considerado artista por quem quer que seja; e a utilização de uma "personagem" Michael Moore, espécie de americano típico que utiliza a câmara como arma mas que, em vez de vinculado aos ideais do GOP, é assumidamente liberal, na conotação americana do termo. Assim, o cinema de Moore utiliza uma camada de humor para impor os factos investigados, ultrapassando a habitual monotonia apontada aos democratas e auto-promovendo-se no sentido de tornar os seus filmes cada vez mais vistos. É isto que ninguém lhe perdoa.
E é por isto que Roger & Me (1989), primeiro documentário de Moore aparece hoje como tão desconcertante e, no limite, como a sua melhor obra. Todo o seu cinema estava ainda numa fase embrionária, em que os motivos gerais já lá estavam mas que ainda não tinham nem o carácter óbvio nem o lado determinante que hoje lhes é atribuído. Moore na primeira pessoa, sim, mas ainda não era a estrela do filme; pose de americano típico, sim, mas uma barriga menos luxuosa e um lado menos caricatural, mais credível e natural; entrevistas, sim, mas muito menos manipuladas, ainda centradas única e exclusivamente no assunto em causa; lado eminentemente político e esquerdista, mas apontando ainda ao senso comum e aos valores básicos e não a qualquer radicalismo que eventualmente se lhe possa apontar.
Filme sobre a terra queimada em que se tornou a cidade natal de Moore, Flint, no estado do Michigan, quando a General Motors decidiu eliminar 30 mil postos de trabalho, entretanto exportados para o México, intercala cenas do quotidiano da população, acompanha um delegado do Xerife local cuja função é despejar inquilinos incumpridores e mostra o percurso de Moore enquanto tenta chegar à palavra com Roger Smith, o obscenamente remunerado presidente da General Motors. Longe de espalhafatoso, mantendo os momentos bombásticos ao mínimo (a piada anti-semita do apresentador de televisão), é um filme que opera uma curiosa inversão face aos filmes posteriores que conhecemos: em vez de partir do nacional para o local (do governo para as pessoas) começa antes por ser um filme sobre aquela cidade, beneficiando com o conhecimento de causa do cineasta. São abundantes os planos a mostrar a degradação, a comparar o espaço com o passado (e, atente-se, a um passado que pode ser mera construção nostálgica), cartografando a perda de horizontes e o fim do sonho americano à medida que a economia se ia globalizando. O que o torna algo de mais emotivo, de mais sério e menos generalizador, como se houvesse uma espécie de deriva "neo-realista", saindo para a rua e vendo, e não uma deriva tão circence – não há nenhum momento tão grotesco e explorador como o da mãe do soldado morto no Iraque como em Farenheit 911 (2004). Para o bem e para o mal, é um filme claramente beneficiado pelo escopo mais pequeno, mesmo que o inimigo (a cultura empresarial os EUA), seja o mesmo.
Depois disto, o caminho foi diferente, com momentos muito bons e outros menos positivos. Mas é pena que a este Roger & Me, sóbrio, inteligente, comovente e completamente sério, não tenha sido dada a atenção merecida. A rever quando, daqui a umas semanas nos quiserem de novo convencer que Moore é apenas o palhaço rico da esquerda americana. Roger & Me é muito engraçado, utilizando toda a panóplia de métodos de comédia, dos mais contidos aos mais satíricos e insultuosos. Mas quem pensa que este filme é para rir está bem enganado. É do mais sério que vi nos últimos tempos.
E é por isto que Roger & Me (1989), primeiro documentário de Moore aparece hoje como tão desconcertante e, no limite, como a sua melhor obra. Todo o seu cinema estava ainda numa fase embrionária, em que os motivos gerais já lá estavam mas que ainda não tinham nem o carácter óbvio nem o lado determinante que hoje lhes é atribuído. Moore na primeira pessoa, sim, mas ainda não era a estrela do filme; pose de americano típico, sim, mas uma barriga menos luxuosa e um lado menos caricatural, mais credível e natural; entrevistas, sim, mas muito menos manipuladas, ainda centradas única e exclusivamente no assunto em causa; lado eminentemente político e esquerdista, mas apontando ainda ao senso comum e aos valores básicos e não a qualquer radicalismo que eventualmente se lhe possa apontar.
Filme sobre a terra queimada em que se tornou a cidade natal de Moore, Flint, no estado do Michigan, quando a General Motors decidiu eliminar 30 mil postos de trabalho, entretanto exportados para o México, intercala cenas do quotidiano da população, acompanha um delegado do Xerife local cuja função é despejar inquilinos incumpridores e mostra o percurso de Moore enquanto tenta chegar à palavra com Roger Smith, o obscenamente remunerado presidente da General Motors. Longe de espalhafatoso, mantendo os momentos bombásticos ao mínimo (a piada anti-semita do apresentador de televisão), é um filme que opera uma curiosa inversão face aos filmes posteriores que conhecemos: em vez de partir do nacional para o local (do governo para as pessoas) começa antes por ser um filme sobre aquela cidade, beneficiando com o conhecimento de causa do cineasta. São abundantes os planos a mostrar a degradação, a comparar o espaço com o passado (e, atente-se, a um passado que pode ser mera construção nostálgica), cartografando a perda de horizontes e o fim do sonho americano à medida que a economia se ia globalizando. O que o torna algo de mais emotivo, de mais sério e menos generalizador, como se houvesse uma espécie de deriva "neo-realista", saindo para a rua e vendo, e não uma deriva tão circence – não há nenhum momento tão grotesco e explorador como o da mãe do soldado morto no Iraque como em Farenheit 911 (2004). Para o bem e para o mal, é um filme claramente beneficiado pelo escopo mais pequeno, mesmo que o inimigo (a cultura empresarial os EUA), seja o mesmo.
Depois disto, o caminho foi diferente, com momentos muito bons e outros menos positivos. Mas é pena que a este Roger & Me, sóbrio, inteligente, comovente e completamente sério, não tenha sido dada a atenção merecida. A rever quando, daqui a umas semanas nos quiserem de novo convencer que Moore é apenas o palhaço rico da esquerda americana. Roger & Me é muito engraçado, utilizando toda a panóplia de métodos de comédia, dos mais contidos aos mais satíricos e insultuosos. Mas quem pensa que este filme é para rir está bem enganado. É do mais sério que vi nos últimos tempos.
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