O Estoril Film Festival acabou este sábado. E teve tudo para ter sido um sucesso, desde a habitual presença de grandes nomes do cinema internacional às ante-estreias de filmes dos mais esperados dos próximos 12 meses, desde o óptimo Os Sorrisos do Destino de Fernando Lopes até aos muito aguardados Tetro, The White Ribbon e Un Prophète. Contudo, não lá estive, nem este ano nem nos anos anteriores, numa decisão a meio caminho entre o prático e o ideológico.
No ambito prático, vivendo na linha de Sintra, teria de ou comprar bilhete(s) para outra linha de comboio ou ir de carro, gastando dinheiro que não tenho. Adicionalmente, teria de jantar e ou lanchar quando estivesse no festival, o que faria a despesa crescer. Dado que grande parte dos filmes serão lançados em sala, pareceu-me pouco recompensador, mesmo que me doa não ter visto Francis Coppola, David Cronenberg ou Juliette Binoche.
Mas o âmbito ideológico falou ainda mais forte. Peguemos no festival na sua essência: um produtor com problemas económicos conhecidos (uma falência aberta há poucos anos) resolve juntar meia-dúzia dos filmes que vai lançar, alguns amigos, reunir tudo num casino, que ajuda a dar charme, e cria uma secção competitiva, sem grande interesse na medida em que se o tivesse, o mesmo produtor, na sua faceta de distribuidor, estreá-los-ia em sala. E pronto, nasce um festival que vale essencialmente por esses amigos que o produtor traz.
E, de caminho lembramo-nos de um pequeno cinema, apesar de tudo com três salas, sito na Avenida de Roma, chamado King mas cujo estatuto real parece o de monarca deposto. As cadeiras mais desconfortáveis que alguma vez experimentei, um interior cavernoso, coberto de carpetes que provavelmente não são limpas há muitos meses e que, mesmo ao fim-de-semana, tem apenas meia-dúzia de resistentes que ainda não foram ver esses filmes ao Monumental ou ao um pouco menos decrépito Fonte Nova ou por um ou outro morador da zona. Ao longe, lembro-me de outros tempos em que aquelas salas estavam preenchidas, em que se viam lá excelentes filmes, em que, em suma, a sensação de abandono era apenas um pesadelo distante, tendo os empregados realmente trabalho a desempenhar e não que suportar o tédio enquanto o patrão serve champagne aos comparsas no casino.
Alguém perguntou ao sr. Branco quanto do dinheiro que investe no Estoril Film Festival poderia ser usado para re-tornar o King num cinema atractivo, com filmes interessantes que lá passassem em exclusivo (deixem-me sonhar: com uma sala permanentemente dedicada ao cinema asiático contemporâneo) ou para dar vida ao Nimas (porque não como cinema de reposição?) em vez de o transformar num espaço multi-funções com rentabilidade ainda por demonstrar? Não, e o próprio decerto deve estar-se borrifando. No fundo, ele está apenas a fazer aquilo que o país faz. O trabalho é precário ou inexistente? Não há problema, temos a maior àrvore de Natal do Mundo. O ensino é cada vez pior? Temos aqui uns computadores azulinhos para ofertar, pelo que está resolvido. A cultura está de rastos e o cinema ainda mais pelo chão se encontra? Não; se assim fosse, teríamos o Coppola, o Cronenberg e a Binoche no Casino?
E então, como por magia, parece estar tudo bem. Mesmo que filmes como Takeshis' e Ne Touchez Pas la Hache tenham sido remetidos para dvd ou que a estreia de filmes como A Turma ou Ne Change Rien e a reposição de O Sangue tenham ocorrido num centro comercial. De luxo, claro está, que é o que importa acima de tudo.
No ambito prático, vivendo na linha de Sintra, teria de ou comprar bilhete(s) para outra linha de comboio ou ir de carro, gastando dinheiro que não tenho. Adicionalmente, teria de jantar e ou lanchar quando estivesse no festival, o que faria a despesa crescer. Dado que grande parte dos filmes serão lançados em sala, pareceu-me pouco recompensador, mesmo que me doa não ter visto Francis Coppola, David Cronenberg ou Juliette Binoche.
Mas o âmbito ideológico falou ainda mais forte. Peguemos no festival na sua essência: um produtor com problemas económicos conhecidos (uma falência aberta há poucos anos) resolve juntar meia-dúzia dos filmes que vai lançar, alguns amigos, reunir tudo num casino, que ajuda a dar charme, e cria uma secção competitiva, sem grande interesse na medida em que se o tivesse, o mesmo produtor, na sua faceta de distribuidor, estreá-los-ia em sala. E pronto, nasce um festival que vale essencialmente por esses amigos que o produtor traz.
E, de caminho lembramo-nos de um pequeno cinema, apesar de tudo com três salas, sito na Avenida de Roma, chamado King mas cujo estatuto real parece o de monarca deposto. As cadeiras mais desconfortáveis que alguma vez experimentei, um interior cavernoso, coberto de carpetes que provavelmente não são limpas há muitos meses e que, mesmo ao fim-de-semana, tem apenas meia-dúzia de resistentes que ainda não foram ver esses filmes ao Monumental ou ao um pouco menos decrépito Fonte Nova ou por um ou outro morador da zona. Ao longe, lembro-me de outros tempos em que aquelas salas estavam preenchidas, em que se viam lá excelentes filmes, em que, em suma, a sensação de abandono era apenas um pesadelo distante, tendo os empregados realmente trabalho a desempenhar e não que suportar o tédio enquanto o patrão serve champagne aos comparsas no casino.
Alguém perguntou ao sr. Branco quanto do dinheiro que investe no Estoril Film Festival poderia ser usado para re-tornar o King num cinema atractivo, com filmes interessantes que lá passassem em exclusivo (deixem-me sonhar: com uma sala permanentemente dedicada ao cinema asiático contemporâneo) ou para dar vida ao Nimas (porque não como cinema de reposição?) em vez de o transformar num espaço multi-funções com rentabilidade ainda por demonstrar? Não, e o próprio decerto deve estar-se borrifando. No fundo, ele está apenas a fazer aquilo que o país faz. O trabalho é precário ou inexistente? Não há problema, temos a maior àrvore de Natal do Mundo. O ensino é cada vez pior? Temos aqui uns computadores azulinhos para ofertar, pelo que está resolvido. A cultura está de rastos e o cinema ainda mais pelo chão se encontra? Não; se assim fosse, teríamos o Coppola, o Cronenberg e a Binoche no Casino?
E então, como por magia, parece estar tudo bem. Mesmo que filmes como Takeshis' e Ne Touchez Pas la Hache tenham sido remetidos para dvd ou que a estreia de filmes como A Turma ou Ne Change Rien e a reposição de O Sangue tenham ocorrido num centro comercial. De luxo, claro está, que é o que importa acima de tudo.
3 comentários:
Texto fantástico. As razões porque eu também não fui foram exactamente as mesmas: é muito fora de mão, a despesa é imensa, e o espectáculo de feira de vaidades aborrece-me.
Excelente texto Miguel. Tudo pertinente (embora admita que já fui uma vez a uma sessão do Estoril Film Festival, e a impressão com que fiquei é muito aquém dessa ideia de luxo e glamour).
Tomara eu também que o King e o Nimas pudessem ser como os idealizaste...
Perfeito só mesmo com a reabertura do Quarteto e a recuperação de alguns cinemas históricos desactivados. Enfim, sonhos...
No outro dia lembrei-me de ti e de um texto similar que escreveste, ainda no Jeu de Massacre. Nesse texto, mencionavas particularmente a diferença dos filmes que estreavam no King nessa altura - a da escrita do texto - e uns anos antes. Lembrei-me, então, porque vi no cartaz que até o Fernando Lopes estreava somente no Monumental. Pelo trailer consigo perceber porque o filme esreia no Monumental, isto é, percebo a estratégia. Mas que não estreie ao mesmo tempo no King é a confirmação do que agora escreves pela segunda vez. O Pedro Costa, na altura da estreia de "Onde Jaz O Teu Sorriso?", já se queixava da preguiça de Paulo Branco enquanto distribuidor. Já foi há muito tempo isso. Em Setembro perguntei na bilheteira do Monumental o que se passava com o Nimas. Responderam-me que não havia nada confirmado para o seu futuro. Foi a mesma resposta para a mesma pergunta que fiz, provavelmente por altura das palavras do Costa, em relação ao cinema Ávila, hoje sede de uma igreja manhosa qualquer.
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