Ia nervoso, claro que ia. Na
altura, tinha conhecido pouca gente que admirava – e ainda não conheci. Na hora
marcada, ao Saldanha, toco à porta do apartamento que me havia indicado via
telefone e que mais tarde viria a reconhecer como um dos cenários de Os
Sorrisos do Destino. Entro, cumprimento-o e pergunta-me se quero beber alguma
coisa. O mais educadamente que consegui – sou muito associal e às vezes é-me
difícil saber o que fazer – digo que beberei se for para o acompanhar.
Explica-me que vai fazer um kir, uma coisa francesa, vinho branco com groselha.
Provei e estava divinal. De caminho, ainda antes da entrevista, como acalentava
o sonho de entrevistar todos os maiores cineastas portugueses para a Take,
pergunto-lhe se porventura tem o contacto de Paulo Rocha. Ele diz-me que
infelizmente não mas que sabe que Rocha está a filmar e, pior, estava bastante
doente. A ironia é que Rocha ainda está vivo e ele morreu hoje, mais uma vítima
desse filho da puta que é o cancro.
A entrevista corre bem, três
horas que passam a correr, entre o fumo dos muitos cigarros que fumámos os
dois, como quem sabe quão bem um cigarro faz as vezes de catalisador do diálogo.
O único momento de tensão foi grando confessei que achava A Crónica dos Bons
Malandros um filme datado, algo de que ele manifestamente discordava. No final,
como notou que me faltavam alguns conhecimentos da história do cinema
português, vai à prateleira e tira um exemplar do livro Cinema Português: Anos
Gulbenkian, escrito por João Bénard da Costa e publicado pela Fundação em 2007.
Encavacado com a generosidade, digo que só aceito se ele mo autografar. O
livro, que tenho neste momento à minha frente, diz
Para o Miguel,
Foi uma conversa estimulante. Um
abraço (de amizade que espero perdure) do
F. Lopes
À saída do apartamento, passo a
timidez para trás e lanço um sentido “Foi uma honra”. Fernando Lopes dá-me uma
palmadinha no rosto, abraça-me e eu, de novo encavacado, aceito o abraço mas
não o retribuo, que a timidez que ainda resiste não mo permite. Hoje, quando
estava no Indie e a Sandra, me manda um sms a informar da morte dele, só penso
em como deveria ter retribuído o abraço.
1 comentário:
Homenagem comovente da tua parte. Do pouco que sabia sobre ele também me parecia um bacano.
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