02 maio 2012

Fernando Lopes, definitivamente


Ia nervoso, claro que ia. Na altura, tinha conhecido pouca gente que admirava – e ainda não conheci. Na hora marcada, ao Saldanha, toco à porta do apartamento que me havia indicado via telefone e que mais tarde viria a reconhecer como um dos cenários de Os Sorrisos do Destino. Entro, cumprimento-o e pergunta-me se quero beber alguma coisa. O mais educadamente que consegui – sou muito associal e às vezes é-me difícil saber o que fazer – digo que beberei se for para o acompanhar. Explica-me que vai fazer um kir, uma coisa francesa, vinho branco com groselha. Provei e estava divinal. De caminho, ainda antes da entrevista, como acalentava o sonho de entrevistar todos os maiores cineastas portugueses para a Take, pergunto-lhe se porventura tem o contacto de Paulo Rocha. Ele diz-me que infelizmente não mas que sabe que Rocha está a filmar e, pior, estava bastante doente. A ironia é que Rocha ainda está vivo e ele morreu hoje, mais uma vítima desse filho da puta que é o cancro.

A entrevista corre bem, três horas que passam a correr, entre o fumo dos muitos cigarros que fumámos os dois, como quem sabe quão bem um cigarro faz as vezes de catalisador do diálogo. O único momento de tensão foi grando confessei que achava A Crónica dos Bons Malandros um filme datado, algo de que ele manifestamente discordava. No final, como notou que me faltavam alguns conhecimentos da história do cinema português, vai à prateleira e tira um exemplar do livro Cinema Português: Anos Gulbenkian, escrito por João Bénard da Costa e publicado pela Fundação em 2007. Encavacado com a generosidade, digo que só aceito se ele mo autografar. O livro, que tenho neste momento à minha frente, diz

Para o Miguel,

Foi uma conversa estimulante. Um abraço (de amizade que espero perdure) do

F. Lopes

À saída do apartamento, passo a timidez para trás e lanço um sentido “Foi uma honra”. Fernando Lopes dá-me uma palmadinha no rosto, abraça-me e eu, de novo encavacado, aceito o abraço mas não o retribuo, que a timidez que ainda resiste não mo permite. Hoje, quando estava no Indie e a Sandra, me manda um sms a informar da morte dele, só penso em como deveria ter retribuído o abraço.  

1 comentário:

Ricardo disse...

Homenagem comovente da tua parte. Do pouco que sabia sobre ele também me parecia um bacano.