Os zombies, cinematograficamente falando, são úteis enquanto tábuas rasas onde cada cineasta pode inscrever o que quiser - veja-se o exemplo de George A Romero, que há 40 anos projecta neles não apenas as convulsões políticas da América mas também uma visão socialista do proletariado a revoltar-se. O cineasta Edgar Wright e o argumentista e actor Simon Pegg não vão por aí, mas não deixam de ter uma visão para as criaturas: desde o princípio do filme que os zombies são equiparados com os protagonistas, jovens adultos incapazes de saber por onde evoluir, presos ao mcemprego, à visita diária ao pub e aos jogos de computador, bem como às multidões anestesiadas a caminho do trabalho. O magnífico Shaun of the Dead, simultaneamente comédia, filme de terror e história de iniciação à idade adulta é, no fundo, o ilustrar do acordar de uma personagem, da sua definição do que é realmente importante e da passagem da modorra à acção, eventos onde a presença dos zombies é um mero catalisador. O Shaun que vemos no final do filme, senhor de si, já nada tem do procrastinador nato do início. Depois de já ter falado aqui do posterior Hot Fuzz (2007), Shaun of the Dead é uma confirmação superlativa, nomeadamente na forma como a comédia é adensada de substância e encenada com imensa inteligência: exemplo disso mesmo é o primeiro terço do filme, onde o herói está tão preocupado com o descalabro da sua vida de conforto e mediania que nem repara nos sinais de crise que estão à volta. Para não falar de alguns gags verdadeiramente deliciosos (o da escolha de qual o disco de Prince a atirar aos zombies é genial) e até de um curioso sentido coreográfico nas sequências de acção (muito boa a sequência ao som de "Don't Stop Me Now" dos Queen). Por todos estes motivos e por muitos, muitos mais que não cabem neste texto, Shaun of the Dead é um grande filme e a melhor comédia que vi em muitos, muitos anos.
1 comentário:
Bom texto, com o qual concordo completamente, uma grande comédia.
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